terça-feira, 25 de abril de 2017

Os diferentes níveis de universos paralelos

Nebulosa Ômega

Por muito tempo, falar sobre universos paralelos foi tabu entre a comunidade científica.Mas os multiversos estão cada vez mais populares entre especialistas, basicamente porque muitas das teorias vigentes prevêem a existência deles.

Esse é um conceito-chave: universos paralelos não são teorias em si, e sim previsões de certas teorias. Várias teorias amplamente aceitas prevêem a existência de fenômenos impossíveis de serem observados.

A relatividade geral, por exemplo, prevê o interior de buracos negros, lugares que nunca poderemos acessar, mas que, apesar de não poderem ser estudados diretamente, não são opcionais na teoria da relatividade geral, eles fazem parte do pacote.

A mesma coisa acontece com os universos paralelos em teorias como a inflação infinita, e talvez até a mecânica quântica.

Cientistas renomados, como Neil deGrasse Tyson e Stephen Hawking defendem a possibilidade da existência dos multiversos.

O problema é que há muita confusão quando se fala no assunto, porque ninguém sabe de qual tipo de universo paralelo se está falando, e isso só aumenta a dificuldade de aprofundar discussões.

Para facilitar a comunicação entre especialistas, e, logo, estimular discussões amigáveis, no livro Our Mathematical Universe, o cosmólogo Max Tegmark separou os universos paralelos em quatro níveis diferentes, fazendo com que todo mundo se entenda melhor. 

Vamos a elas:

Multiverso de Nível 1

Também conhecido como Quilted, o Multiverso de Nível 1 é simplesmente todo o espaço que está tão longe que a luz conhecida do Universo ainda não teve tempo de alcançar, durante esses 13.7 bilhões de anos desde o Big Bang.

O nosso Universo observável é uma esfera de 49 bilhões de anos-luz de diâmetro com a Terra bem no centro, então tudo para fora desse espaço, conhecido como Esfera Hubble (ou Volume Hubble), já pode ser considerado um outro universo.

Partindo do pressuposto de que o universo é um objeto euclidiano e infinito, que é o que parece até agora, é provável que existam infinitos espaços do tamanho do nosso Universo, mas para fora da Esfera Hubble.

O Multiverso de Nível 1 fica mais interessante quando paramos para pensar que existem apenas finitas maneiras de rearranjar as partículas do nosso Universo observável. Isso significa que se você pudesse caminhar (flutuar?) por tempo suficiente – a cerca de 10 elevado a 10 elevado a 29 metros – você iria eventualmente encontrar uma cópia idêntica de você mesmo. Isso porque com tempo e espaço suficientes é provável que as partículas se rearrangem de todas as maneiras possíveis, inclusive exatamente a mesma que existe agora mesmo no seu corpo.

O Multiverso de Nível 1 obedece todas as leis da física e constantes cosmológicas daqui, e em teoria pode ser acessado por nós – apesar de ser extremamente improvável –, se desenvolvessemos tecnologia para isso.


Nebulosa de Orion


Multiverso de Nível 2

Para entender o Multiverso de Nível 2 é preciso compreender a teoria da Inflação Cósmica, que é a hipótese para a criação do Universo mais bem aceita hoje entre os cientistas.
Segundo esta ideia, existiu um momento de inflação imensa e quase instantânea, que aconteceu logo depois do Big Bang e que deu origem a todo o nosso Universo. Os cientistas que estudam a hipótese acreditam que nosso Universo é diferente de uma bolha de sabão, por exemplo, que ocupa espaço do ambiente externo.

Em vez disso, o universo inteiro existe dentro de um espaço finito e pode criar massa e espaço a partir de quase nada. Isso é possível porque quando se aplica energia para expandir algo, parte dessa energia é transformada em massa — quando esticamos uma tira de borracha, ela se torna levemente mais pesada, por exemplo.

Mas da onde vem tanta força pra vencer toda a pressão que existe “fora” desse universo-bebê? Isso é outra coisa linda prevista na relatividade geral: pressão negativa gera gravidade repulsiva. Tegmark explica que “uma substância em estado de inflação cósmica, produz uma antigravidade que a explode, e a energia que essa antigravidade usa para expandir a substância, cria massa suficiente para que a substância cresça de tamanho e continue igualmente densa.

Esse processo é sustentável e a substância continua a duplicar seu tamanho de novo e de novo. E assim a inflação cósmica pode criar todo um universo a partir de quase nada. Ou seja, cria-se um universo inteiro sem tomar lugar de qualquer outra coisa. Logo, segundo a Inflação Cósmica, algo pode expandir infinitamente e ainda assim não aumentar o espaço que ocupa quando visto “de fora”. Por isso, diversos espaços infinitos poderiam existir dentro de um espaço finito.

Um desdobramento da teoria da Inflação Cósmica, chamado Inflação Eterna, defende que nosso universo não é, de forma alguma, único ou especial, e sim que existem outras Inflações Cósmicas acontecendo agora mesmo, dando origem a inúmeros novos universos.

E assim entramos no domínio do Multiverso de Nível 2: que são inúmeros universos em diferentes “bolhas inflacionárias”, cada uma com suas constantes cosmológicas e leis da física.
O Multiverso de Nível 2 é a melhor hipótese que temos para resolver um dos problemas mais misteriosos do nosso próprio Universo: o da “afinação” ou fine-tuning.

Existe um grande mistério sobre porque as constantes cósmicas do nosso universo têm os valores que têm. O que há de especial nesses números aparentemente tão feios, mas ao mesmo tempo tão absolutamente essenciais para que tudo exista como conhecemos?

Se fossem só um pouquinho diferentes todo nosso Universo não poderia existir. Mas ninguém consegue ver qualquer coisa de especial exatamente nessas quantidades ou descobrir a sonhada Teoria de Tudo que poderia explicá-las.

O físico Alan Wightman explica em seu livro The Accidental Universe que “se a quantidade de energia escura do nosso Universo fosse só um pouquinho diferente do que realmente é, então a vida nunca poderia ter surgido.

"Dentre todas as quantidades possíveis de energia escura que nosso universo poderia ter, a quantidade atual reside em uma minúscula fatia que permite a vida. Não existe discussão sobre isso. (…) Você pode se sentir compelido a perguntar: por que tanta sintonia existe? E a resposta que muitos físicos agora acreditam: o multiverso. Um vasto número de universos pode existir, com muitos valores diferentes de energia escura. (…) Nós somos um acidente. Na loteria cósmica que contém milhões de universos, nós estamos em um que permite a vida.”

Nossas constantes fundamentais são compostas por números feios que parecem completamente aleatórios. E segundo a Inflação Cósmica eles são mesmo. Assim como existe um universo exatamente com esses valores, existem inúmeros outros, cada um com seus valores específicos. Dessa forma, não precisamos encontrar algum sentido escondido e apenas aceitar que esse é nosso endereço cósmico.

Então, o Multiverso de Nível 2 seria um conjunto de universos em princípio para sempre incomunicáveis, porque cada um deles é infinito, apesar de ocupar um espaço finito se visto de fora.
Apesar de provavelmente não poderem ser provados, os Universos Paralelos de Nível 2 fazem parte da teoria da Inflação Eterna, e não são opcionais. Logo, a aceitação desse nível de multiverso depende da aceitação geral da própria teoria da Inflação Eterna. Isso parece estar cada vez mais próximo de acontecer, porque essa teoria sugere boas soluções para vários outros problemas misteriosos.

Nebulosa Coração e Alma

Multiverso de Nível 3

O Multiverso de Nível 3 é bem diferente dos outros dois. É também o mais querido das obras de ficção científica e do imaginário popular — ela está presente no filme Coherence, por exemplo. Para entrarmos nele, primeiro, precisamos de uma breve introdução à mecânica quântica.

Até agora a Interpretação de Copenhage, proposta por Niels Bohr e Werner Heisenberg, é a mais conhecida quando se fala em mecânica quântica. Segundo essa interpretação, antes de ser observada, cada partícula se comporta também como onda e está em um estado de sobreposição quântica, ou seja, está em vários locais ao mesmo tempo.

Quando observamos essa partícula/onda, porém, ela colapsa, e ‘escolhe’ um único local para se mostrar como partícula. Mas antes de observá-la, só podemos estimar uma determinada probabilidade da partícula estar em cada um desses lugares. Então, seria como se o ato de observar obrigasse a partícula a escolher um único local para estar, mas quando não observada ela pudesse seguir sem localização determinada.

Mas existe uma teoria alternativa que está ganhando cada vez mais atenção. É a chamada Interpretação dos Muitos Mundos, proposta por Hugh Everett, em 1957.

Segundo Everett, a onda nunca entra em colapso, todas as possibilidades de localização da partícula seriam igualmente verdadeiras, criando, assim, a cada instante, uma infinidade de bifurcações quânticas, cada uma dando origem a um universo paralelo, onde tudo que pode acontecer, de fato, acontece (em algum lugar).

Ou seja – existem milhões de versões de você mesmo, cada uma vivendo em um universo levemente ou completamente diferente, e a cada momento que você toma uma decisão, existe algum outro “você” que tomou a decisão oposta, e que está por aí, em algum universo paralelo. Esse “lugar”, essa soma de todos esses universos paralelos quânticos, é conhecido como Espaço Hilbert, ou Multiverso de Nível 3.

No famoso experimento do gato de Schrödinger, por exemplo, temos um gato dentro de uma caixa totalmente fechada e incomunicável, e um único átomo decide se o gato vai morrer envenenado ou continuar vivo. Segundo a interpretação de Copenhague, o gato está em um estado de sobreposição quântica, ao mesmo tempo vivo e morto, e seu futuro só será decidido no momento em que a caixa for aberta, obrigando o átomo a decidir se decai ou não.

Na interpretação de Everett, no entanto, o universo se separa em dois, em um dos universos o gato está vivo, e no outro, ele está morto. E você também se divide em dois, cada uma das suas realidades fica para sempre conectada com um dos estados do átomo e só participa de um dos universos. Uma vez separados, cada universo continua seu próprio caminho e nunca mais interage com os outros.
Sim, a ideia de que milhões de universos paralelos existem aqui mesmo parece absurda e contraintuitiva, mas se analisarmos a proposta não é mais incoerente do que a ideia de que uma partícula pode também se comportar como onda e estar em vários locais ao mesmo tempo, e observá-la faz com que ela mude completamente de estado e “escolha” arbitrariamente de forma completamente randômica um local para habitar.

Ou seja, até agora tudo que observamos é esquisito e confuso, e Richard Feynman continua tendo razão quando fala que ninguém realmente compreende a mecânica quântica.
Os cientistas avessos à Interpretação dos Muitos Mundos se apoiam na ideia de que a proposta mais simples tende a ser a verdadeira, e que seria muito complexo ter que adicionar infinitos universos paralelos para justificar esse aqui.

Mas o interessante é que a Interpretação dos Muitos Mundos é só uma maneira diferente de olhar para exatamente os mesmos dados e os mesmos resultados. As equações que permitiriam que todos esses universos existissem já existem.

Não é necessário incluir nada aos resultados que observamos. A única diferença é os cientistas que estudam a ideia dos Muitos Mundos acreditam que o observador fique entrelaçado com um dos estados da partícula assim que interage com ela, para nunca mais se separar.

O cosmólogo Sean Carroll, outro defensor da Teoria dos Muitos Mundos, faz uma explicação eficiente em seu blog: “É claro que nós não conseguimos ver outros mundos diretamente, mas esses outros mundos não são adicionados à teoria. Eles vêm automaticamente se você acredita em mecânica quântica.”

Assim, no Multiverso de Nível 3 tudo o que pode acontecer de fato acontece, a partícula quântica nunca entra em colapso, e, em vez disso, ocupa todos os lugares dando origem á infinitas realidades diferentes a cada segundo, que existem em um Espaço Hilbert.

Sean Carroll continua: “O formalismo prevê que há muitos mundos, portanto, escolhemos aceitar isso. Isto significa que a parte da realidade que experienciamos é uma fatia indescritivelmente fina de tudo, mas que assim seja. O nosso trabalho como cientista é formular a melhor descrição possível do mundo como ele é, não forçar o mundo a se adequar os nossos pré-conceitos”.


Nebulosa Hélix - Olho de Deus

Multiverso de Nível 4

Existe ainda o Multiverso de Nível 4. Nela, Tegmark defende que todos os multiversos de níveis anteriores fazem parte de uma única estrutura matemática infinitamente e inconcebivelmente complexa. Um objeto geométrico de (no mímino) quatro dimensões – 3 dimensões espaciais + tempo. E que além dessa estrutura existem outros universos, formados por outras geometrias.

Para aceitar cada uma dessas novas hipóteses sobre a maneira como a realidade se comporta, precisamos lutar contra nosso instinto mais fundamental: o de que de somos o centro do universo.
Em um primeiro momento, é normal que sejamos avessos às ideias que contradizem nossa impressão mais imediata da realidade. No seu discurso, “Isto é água” David Foster Wallace lembra que temos sempre que evitar essa impressão mais intuitiva:

“Uma grande porcentagem das coisas sobre as quais eu costumo automaticamente ter certeza é, na verdade, totalmente errada ou ilusória.(…) Aqui vai um exemplo de algo completamente errado que eu costumo automaticamente ter certeza: tudo na minha experiência apóia minha crença profunda de que eu sou o centro absoluto do universo, a pessoa mais real, vívida e importante que existe. Nós raramente falamos sobre esse tipo de egocentrismo natural e básico, porque ele é tão socialmente repulsivo, mas é basicamente o mesmo para todos nós, no fundo. É a nossa configuração padrão, impressa nos nossos circuitos desde o nascimento. Pense nisso: você nunca teve uma experiência da qual você não foi o centro absoluto.”

Depois de nos tirarmos do centro absoluto do universo, tiramos o planeta inteiro, quando descobrimos que o Sol tem problemas mais importantes com os quais se preocupar, e não gira em torno de nós.

Provavelmente o que incomoda tanto em todos esses níveis de multiversos é que eles colocam a existência de cada um de nós num lugar totalmente insignificante. E é muito difícil aceitarmos que nada sobre nós mesmos ou até sobre nosso universo inteiro é essencialmente especial.


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