Não é de hoje que o investimento em ciência e tecnologia no Brasil não anda bem. De 2014 para cá, o setor vem sofrendo cortes sucessivos em seu orçamento, após um breve período de crescimento. E desde que o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação se juntou ao das comunicações, logo no início do governo de Michel Temer (PMDB), sem aumento no orçamento, a briga para conseguir financiar pesquisas e outros projetos no país tem sido cada vez mais dura. Em um cenário tão pessimista para a ciência brasileira, a XLI Reunião da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), que promoveu uma série de encontros na última semana para apresentar o que há de novo na pesquisa em astronomia no Brasil e no mundo, trouxe uma ponta de esperança. Entre os destaques do que foi discutido, encontram-se não só estudos de ponta realizados por equipes nacionais, mas também parcerias com países que são referência mundial em inovação e até a fundação de uma associação de pesquisadores para estudo de vida fora da Terra.
Apesar de todas as dificuldades orçamentárias, a quantidade de artigos científicos publicados por brasileiros aumentou nos últimos anos. Só em astronomia, o número que era de aproximadamente 4.000 pesquisas divulgadas entre 2000 e 2009 saltou para 5.300 de 2010 a 2017. “Esse crescimento só aconteceu por causa dos investimentos que fizemos na última década”, afirma o astrofísico Thiago Signorini Gonçalves, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador de comunicação da SAB. “Mas devemos começar a sentir o peso dos cortes [no orçamento] já nos próximos anos.”
Como destacou Gonçalves, o impacto dos estudos publicados, ou seja, quantas citações esses artigos recebem em outras pesquisas, também é um fator levado em consideração para avaliar a qualidade das pesquisas de um país. E, nesse quesito, o Brasil está muito atrás de países como os Estados Unidos e algumas nações europeias. “Isso não é só uma questão da qualidade da pesquisa que é realizada aqui, também é uma questão de visibilidade. O Brasil precisa de parcerias com outros países, pois não adianta só os brasileiros lerem as pesquisas que são realizadas aqui”, defende o astrofísico.
Por isso, um dos pontos destacados pela SAB em sua reunião anual foi justamente a questão da internacionalização da astronomia brasileira. A fundação da Sociedade Brasileira de Astrobiologia (SBA) durante o evento, associação de pesquisadores para estudo da vida dentro e fora da Terra – um dos temas mais pesquisados no mundo em astronomia nos últimos anos –, foi um indicativo de que o Brasil já está correndo atrás desse atraso. Mas, além dessa, há outras apostas do nosso país para os próximos anos, incluindo dois grandes projetos internacionais.
Telescópio internacional
Uma das iniciativas apresentadas foi BINGO, um telescópio que será construído pelo Brasil em parceria com Reino Unido, Suíça e Uruguai para estudar a energia escura (um tipo de anti-gravidade, cuja existência foi notada com a descoberta que a expansão do Universo estava sendo acelerada). Essa componente, prevista por Albert Einstein no começo do século XX, corresponderia a 70% da composição do universo.
O projeto, estimado em 4,2 milhões de dólares (13 milhões de reais), teve 76% de seus custos financiados pelo Brasil, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Segundo o pesquisador Carlos Alexandre Wuensche, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), inicialmente a ideia era que o telescópio ficasse localizado no Uruguai – mas, após a extinção de um critério técnico, decidiu-se que ele seria instalado aqui no Brasil, na Paraíba. “O fato de construí-lo aqui permite envolver com mais eficácia as empresas brasileiras e reduz o custo do projeto”, comenta o pesquisador.
Segundo Wuensche, BINGO foi projetado para estudar o universo quando ele tinha entre 5 e 12 bilhões de anos (hoje ele tem 13,7 bilhões de anos). O telescópio identifica oscilações na matéria, chamadas bárions, medindo a intensidade da emissão de átomos de hidrogênio. “[BINGO] foi concebido para ter uma estrutura e manutenção bastante simples, sem partes móveis e sem partes que necessitem resfriamento”, afirma o pesquisador.
Segundo ele, o desafio do Brasil é fabricar 50 cones, ou cornetas, de quase cinco metros de comprimento com dois metros de abertura. Além disso, os cientistas brasileiros ficarão encarregados de fazer espelhos e receptores de baixo ruído. “Penso que o Brasil foi convidado, inicialmente, mais por uma questão logística do que pela contribuição científica que poderia dar. Ao longo do projeto a capacidade do Brasil foi aparecendo e hoje temos condições de discutir praticamente todos os subsistemas do projeto de igual para igual. Contribuímos não só com a maior parte dos recursos, mas também com muita experiência científica”, avalia o pesquisador.
Tecnologia de ponta
Outro projeto apresentado durante o evento foi o SuMIRe, que envolve a construção de dois instrumentos de alta tecnologia para o telescópio japonês Subaru, localizado no Havaí. Com expectativa de conclusão em 2020, esse projeto prevê a participação do Brasil em duas frentes: na construção de uma câmera de alta resolução que será acoplada ao telescópio e no desenvolvimento de um espectrógrafo, utilizado no estudo dos espectros luminosos.
No total, a iniciativa terá um custo de 130 milhões de dólares (400 milhões de reais). “O Brasil colaborou principalmente com o alojamento de pesquisadores e outros custos relacionados às equipes que estão trabalhando no projeto. A maior parte do financiamento, no entanto, foi feita pelo Japão”, disse o holandês Roderik Overzier, do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, que está envolvido na iniciativa. O astrofísico veio para o Brasil em 2013, em um momento promissor para a ciência nacional. Naquela época, o Brasil começou um diálogo para se juntar ao Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês), um dos maiores grupos internacionais para construção de observatórios no mundo – até hoje, no entanto, nenhuma decisão foi tomada.
Mesmo desanimado com a demora da negociação com o ESO, Overzier afirma não ter perdido as esperanças na ciência brasileira e enxerga no SuMIRe uma grande oportunidade. “Acho que é um grande avanço mostrar que podemos fabricar equipamentos de grande tecnologia aqui e não precisar importar de outros países”, afirma.
Trazendo para discussão esses projetos e contando com renomados convidados brasileiros e estrangeiros, a SAB mostrou em sua reunião anual uma luz, ainda que tímida, no fim do túnel para a ciência brasileira. As apresentações realizadas durante o encontro deixam claro que o principal empecilho para astronomia no Brasil não é a falta de capacidade ou a ausência de pesquisadores qualificados – e sim a dificuldade em conseguir recursos e bolsas de pesquisa, que, muitas vezes, acabam afastando cientistas e obrigando-os a partir para outros países em busca de cenários mais favoráveis ao desenvolvimento da ciência e tecnologia.
“Queremos sentar na mesma mesa de países que são referência mundial em pesquisa e conversar de igual para igual. Mas, para isso, é preciso fomentar o crescimento do ensino de astronomia”, afirma Thiago Signorini Gonçalves. Segundo o astrofísico, o Brasil já provou que quando se investe em ciência e tecnologia, os resultados aparecem em um curto período de tempo. “Se você quer ter visibilidade, precisa de gente qualificada trabalhando ali. E não temos como fazer isso sem investimento.”
Outro projeto apresentado durante o evento foi o SuMIRe, que envolve a construção de dois instrumentos de alta tecnologia para o telescópio japonês Subaru, localizado no Havaí. Com expectativa de conclusão em 2020, esse projeto prevê a participação do Brasil em duas frentes: na construção de uma câmera de alta resolução que será acoplada ao telescópio e no desenvolvimento de um espectrógrafo, utilizado no estudo dos espectros luminosos.
No total, a iniciativa terá um custo de 130 milhões de dólares (400 milhões de reais). “O Brasil colaborou principalmente com o alojamento de pesquisadores e outros custos relacionados às equipes que estão trabalhando no projeto. A maior parte do financiamento, no entanto, foi feita pelo Japão”, disse o holandês Roderik Overzier, do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, que está envolvido na iniciativa. O astrofísico veio para o Brasil em 2013, em um momento promissor para a ciência nacional. Naquela época, o Brasil começou um diálogo para se juntar ao Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês), um dos maiores grupos internacionais para construção de observatórios no mundo – até hoje, no entanto, nenhuma decisão foi tomada.
Mesmo desanimado com a demora da negociação com o ESO, Overzier afirma não ter perdido as esperanças na ciência brasileira e enxerga no SuMIRe uma grande oportunidade. “Acho que é um grande avanço mostrar que podemos fabricar equipamentos de grande tecnologia aqui e não precisar importar de outros países”, afirma.
Trazendo para discussão esses projetos e contando com renomados convidados brasileiros e estrangeiros, a SAB mostrou em sua reunião anual uma luz, ainda que tímida, no fim do túnel para a ciência brasileira. As apresentações realizadas durante o encontro deixam claro que o principal empecilho para astronomia no Brasil não é a falta de capacidade ou a ausência de pesquisadores qualificados – e sim a dificuldade em conseguir recursos e bolsas de pesquisa, que, muitas vezes, acabam afastando cientistas e obrigando-os a partir para outros países em busca de cenários mais favoráveis ao desenvolvimento da ciência e tecnologia.
“Queremos sentar na mesma mesa de países que são referência mundial em pesquisa e conversar de igual para igual. Mas, para isso, é preciso fomentar o crescimento do ensino de astronomia”, afirma Thiago Signorini Gonçalves. Segundo o astrofísico, o Brasil já provou que quando se investe em ciência e tecnologia, os resultados aparecem em um curto período de tempo. “Se você quer ter visibilidade, precisa de gente qualificada trabalhando ali. E não temos como fazer isso sem investimento.”
Matéria: Veja
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